(*) Por TJGuimarães
Antes de dissertar sobre Chico Mendes faz-se necessário uma introdução sobre o Látex, Ciclo da Borracha, Seringueira, Seringal e Seringueiro. Enfim, o contexto da haveicultura.
LÁTEX – é um líquido de aspecto leitoso, existente nas plantas ditas laticíferas e é colhido em incisões feitas no tronco, pelas quais escorre; este processo é chamado de sangria. Pode mostrar-se incolor, amarelo, alaranjado, vermelho e, mais comumente, branco. A sua fluidez também é sujeita a gradações: pode apresentar-se aquoso ou não. Tem grande elasticidade, inodoro e sem resíduo, podendo ser esterilizado.
O Látex, já com algum beneficiamento já era usado pelos povos pré-colombianos desde as épocas mais remotas, e uma das facetas mais características da civilização Teotihuacan (300 a.C. a 600 d.C.), no México, foi o jogo ritualístico com bolotas de caucho, que se espalhou por todo o continente americano, chegando até a Amazônia, no qual os vencedores, eram imolados ao Deus Sol, como Prêmio Máximo.
Trata-se de um produto natural procedente de algumas árvores, principalmente a Seringueira. Depois do seu beneficiamento, é um produto de 1001 utilidades: indústria automotiva, calçadista, construção civil, plásticos, materiais hospitalares, pneumáticos, etc. Foi conhecido também como Ouro Branco, em decorrência da riqueza que gerava.
O CICLO DA BORRACHA – foi um momento da história econômica e social do Brasil, relacionado com a extração do látex da seringueira e comercialização da borracha.
Teve o seu centro de produção na região amazônica que proporcionou a expansão da colonização, atração de riqueza, transformações culturais e sociais, e grande impulso ao crescimento dos Estados do Amazonas, Pará e Rondônia e suas respectivas capitais: Manaus, Belém e Porto Velho. O CICLO DA BORRACHA viveu seu auge ou apogeu, entre 1879 e 1912, tendo depois experimentado uma sobrevida entre 1942 e 1945, durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A SERINGUEIRA – é uma planta brasileira (11 espécies) – heveabrasiliensis – da família das euforbiáceas, nativa da Amazônia. É uma árvore de grande porte e ciclo perene que atinge até 50m de altura e de cujo caule, através de incisões oblíquas em sua casca, escorre um látex com que se produz a borracha. Suas sementes contêm uma amêndoa donde se extrai um óleo amarelado, utilizado na indústria de vernizes e tintas. A floresta amazônica é muito rica em seringueiras e garante ao Estado do Acre o primeiro lugar nacional na produção de borracha.
Embora seja uma planta nativa de climas tropicais úmidos a seringueira é cultivada em diversos estados do Brasil (Bahia, Mato Grosso, São Paulo, Minas Gerais e outros), pois, além de rústica, apresenta grande capacidade de adaptação. Uma seringueira pode produzir, em média, de 40 a 60 gramas de seiva por dia, chegando a no máximo 100 gramas e sua extração pode ser feita por mais de 20 anos.
O SERINGAL – é a unidade física de produção de borracha compreendida uma extensa área do espaço geográfico, normalmente situado em um vale de rio abundante em seringueiras, cuja posse inicial era definida pela ocupação estratégica de sua foz por um pioneiro, estendendo seu direito de posse ao longo do seu curso na direção da nascente desse rio, bem como sobre as de seus afluentes.
Estes Seringais eram e ainda são mantidos pelas casas aviadoras com sedes em Manaus/AM e Belém/PA, que os abastecem e financiam seus proprietários, os patrões seringalistas, tendo como contrapartida a detenção do monopólio da produção da borracha, castanha e outros produtos silvestres do seringal, revendendo principalmente a borracha, aos consumidores europeus e norte-americanos.
O Seringal, no geral, é composto pelo barracão central (sede administrativa), do armazém, dos depósitos, das casas dos empregados administrativos e de apoio, das colocações (barracas dos seringueiros) em suas respectivas estradas, dispersas pela floresta.
O SERINGUEIRO – é o personagem típico e central da região dos seringais. É aquele que extrai o látex das seringueiras e viabiliza sua transformação em borracha natural.Os seringueiros têm uma história de luta, com realização de atos de protesto contra a política para a borracha nativa, contra a fome, exploração e a devastação da floresta amazônica. Tudo isto bem antes do conceito de sustentabilidade.
O seu contexto de trabalho e moradia era e/ou é: o Seringal, espingarda, facão, machado, tigelinha, lamparina poronga (lampião que vai preso na cabeça), balde e o terçado ou faca de seringueiro para sangrar o tronco da seringueira; de moradia o seu tapiri, uma cabana rude de pau, cipó e folhagens que lhe servia de casa e uma jornada de trabalho de mais de 12 horas diárias. Além da borracha eles viviam e vivem da caça, pesca e plantações básicas de sobrevivência. Para completar o “pacote”, uma infinidade de doenças e perigos e a ausência do estado, sem contar com a eterna dependência econômica dos Seringalistas, em um sistema de semiescravidão capitalista
A família para o Seringueiro significa seu porto seguro e esteio para suportar as agruras do dia a dia. É nela que tem com quem dividir o cotidiano de um seringal que é de trabalho duro e solitário, mas também de lazer e solidariedade. É no seio da família que os filhos de seringueiros aprendem o ofício do pai. Eles levam os filhos para as Estradas de Seringa, lugares em que as experiências com o trabalho são vivenciadas e passadas de geração uma após outra.
Guardiões da floresta – A partir de 1970, como se não bastassem os Seringalistas, começaram a chegar os fazendeiros na Amazônia, expulsando os Seringueiros, derrubando a floresta e assim iniciando os conflitos de terra. Sob esta ameaça, eles começaram a se unir em cooperativas e sindicatos e, a partir daí, começaram a surgir lideranças ativas na defesa da sustentabilidade da floresta e também a sobrevivência dos mesmos.
Nestes conflitos, os Seringueiros se mostraram como os protetores da floresta e, hoje sua convivência com a floresta serve como exemplo, mostrando que o homem pode sim, viver da natureza sem destruí-la e, ao mesmo tempo usufruir da mesma.
Foi neste contexto que surge a figura de Chico Mendes e outros parceiros com igual pensamento na difícil tarefa de defender a floresta do motosserra, do pasto e do gado e ao mesmo tempo buscar o seu sustento nela. Filho de Seringueiro iletrado, como a maioria, aos nove anos, como todo garoto do riscado, Francisco Alves Mendes Filho também entrou para a profissão do pai: era sua única opção, já que lhe foi negada a oportunidade de estudar. Até 1970, os donos das terras nos seringais (Seringalistas) não permitiam a existência de escolas. Chico só foi aprender a ler aos 20 anos de idade.
“Empate” – como arma para defender a floresta acreana. São manifestações de ativismo político intermediário em prol da preservação da floresta amazônica pelos Seringueiros. São nestas manifestações que seus ativistas defendem a floresta da sanha gananciosa dos “agentes” perturbadores da mata. Ela é articulada em correntes de pessoas com as mãos dadas em torno da área a ser devastada e assim impedem o seu desmatamento, ou ainda cercam os trabalhadores encarregados do feito e levam seu líder a assinar um documento garantindo que o trabalho será suspenso.
Foi com esta arma que os Seringueiros e suas entidades de apoio utilizam este termo “Empate”, como símbolo de suas resistências, de suas lutas e de suas reivindicações. Eles não imaginavam que estas experiências de resistência chegassem às proporções que chegaram.
(*) Historiador, Jornalista, Professor de História/Geografia/Sociologia/Filosofia