(*) Por TJGuimarães
<<< UMA HISTÓRIA NÃO E/OU MAL CONTADA NOS LÍVROS DIDÁTICOS! >>>
Essa História foi e é muito mal contada e “esquecida”, nos remonta às três grandes secas ocorridas no Nordeste, principalmente no Estado do Ceará, 1877/1880, 1915 e 1932. E também nos faz lembrar da ideia do darwinismo social (contida na Constituição de 1934, no Art.138 em que dizia que o Estado teria que ‘estimular a educação eugênica‘); o pleno apogeu da indústria da seca, além da higienização/segregação da massa miserável; há também a questão dessa mão de obra, que foi usada como escrava, para a construção dos grandes açudes e as estradas locais em troca de um simples prato de comida; o descaso, indiferença e desapreço das oligarquias políticas, econômicas e intelectuais. Não se pode esquecer também dos relatos de antropofagia já nos acampamentos da capital, Fortaleza.
“Currais Humanos”, uma maneira fácil de esconder estes flagelados da população urbana. Foram erguidos no Estado do Ceará. Eram espaços de aprisionamento humano espalhados estrategicamente em rotas de migração no Estado com o intuito de se evitar que os chamados “flagelados da seca” chegassem a Fortaleza em busca de auxílio. Nesses “campos de concentração” chegou-se a aprisionar aproximadamente 73 mil retirantes/flagelados.A Grande Seca de 1877/1880, no sertão nordestino se tornou um dos eventos mais devastadores da nossa história, sendo responsável pela morte de cerca de 500 mil pessoas. Em torno de 100 mil sertanejos miseráveis, famintos e doentes migraram para a capital do Ceará em busca de sobrevivência, triplicando a população local, “aterrorizando” a elite da capital. Aqui surgiram os abarracamentos (acampamentos improvisados) instalados pelo Estado para abrigar os retirantes totalizando mais do que o triplo de sua população na época.
A Seca de 1915 (logo no início do ano) assombrou o Ceará e outras regiões. As pessoas tentavam fugir aos milhares rumo às grandes cidades e capital. Com isso, foi provocada uma verdadeira epidemia, onde crimes, assassinatos, suicídios, estupros, roubos aconteciam aos borbotões. Em decorrência da fome generalizada, houve até mesmo casos de antropofagia. As pessoas se amontoavam em Fortaleza, onde já não tinham mais lugares para se instalar e, acabavam ocupando ruas, calçadas e até mesmo o Passeio Público, que era uma área “nobre” onde a elite se socializava. O governador da época, Benjamin Liberato Barroso, propôs então que fosse construído um campo, a fim de que as pessoas pudessem se refugiar, dentro da capital. O espaço escolhido foi o Alagadiço que tinha quase 500 metros quadrados e comportava casas pequenas, coladas umas às outras. Esse local chegou a abrigar cerca de oito mil pessoas.
Pouco tempo depois, o número de refugiados cresceu de modo assustador, impossibilitando a alimentação e cuidado geral de todos. A situação foi agravada com as chuvas de setembro e outubro, onde milhares de pessoas vieram a falecer. Os cadáveres eram colocados ao longo da linha férrea à espera de transporte. A situação chegou ao extremo, onde em torno de 150 pessoas morriam diariamente. O governo em uma nova estratégia desesperada, bancou a passagem para esses flagelados irem para outros lugares, muitos foram para a Amazônia, trabalhar como seringueiros. Foi nessa época que muitos retirantes foram para outras regiões do país. No seu livro “O Quinze”, a escritora Rachel de Queiroz narra essa seca histórica. O campo de concentração de Alagadiço foi desativado em 18 de dezembro de 1915.
Seca de 1932, o inverno (chuvas) era esperado com ansiedade e espírito de novos tempos, mas um novo ciclo de secas severas fez o Estado retornar à cruel ideia de novamente confinar os retirantes. Com o temor de intensa invasão de flagelados em Fortaleza – e em outras grandes cidades do Ceará – a estratégia dos “Currais do Governo” mais uma vez foi implantada. A experiência se repetiria desta vez além de Fortaleza (Matadouro e Urubu), mais cinco municípios também: Crato/Buriti, Senador Pompeu, Quixeramobim, Cariús e Ipu. Ainda durante essa seca brava, esses flagelados foram enviados para o combate nas trincheiras da Revolução de 1932 em São Paulo, sabe-se lá a troco de quê?!
Por fim, quando a chuva deu os primeiros sinais de esperança, os flagelados próximos à capital, em sua grande maioria, optaram por continuar nas proximidades, em um processo que acelerou a expansão das favelas em Fortaleza. Flagelados tornaram-se favelados, instaurando-se mais uma vez um ciclo vicioso de miséria, fome, doença e descaso de governos.
A MISÉRIA INCOMODOU E INCOMODA A MUITA GENTE!
(*) Historiador, Jornalista e Professor de História/Geografia/Filosofia/Sociologia