A palavra festival vem do latim “festivitas”, que significa tanto ‘um dia de festa’ quanto ‘uma maneira engenhosa de dizer’. E essa maneira engenhosa faz-se muito presente nos festivais da década de 1960, precisamente pelo caráter crítico à ditadura militar vigente no período.
Exemplo emblemático é a música “Para não dizer que não falei de flores“, também conhecida como: ”Caminhando” de Geraldo Vandré, que até hoje é cantada em passeatas e manifestações político-sociais., essa música concorreu no 3º FIC, em 1968, pouco antes da vigência do Ato Institucional número 5 (AI-5), instrumento legal que decretou censura absoluta aos meios de comunicação e manifestações artísticas, sobretudo a música. Indiretamente, o AI-5 decretou, também, o fim desses festivais.
A MPB (Música Popular Brasileira), surgiu na década de 60, durante a Ditadura Militar no Brasil. Como uma espécie de sucessão à Bossa Nova. A MPB misturou os ritmos desse gênero musical com os movimentos musicais dos Centros Populares de Cultura da União Nacional dos Estudantes e seu engajamento político-social. Em princípio, o gênero tentou buscar uma música brasileira essencialmente nacional.
Ao se falar em música brasileira dessa época, deve-se pensar em quatro gêneros: Jovem Guarda, Bossa Nova, Tropicália e MPB, que, por sua vez, eram divididos em dois grupos: os “alienados” – Jovem Guarda e Bossa Nova e os “engajados” – MPB e Tropicália.
Sob esse rótulo, a música “alienada” preocupava-se com o ciúme da namorada, com a velocidade do carro, com o barquinho, a praia e o sol. Já a música “engajada” abordava temáticas de cunho social e político, valorizando aspectos regionais.
Os Festivais de Música Brasileira foram uma série de concursos de canções originais e inéditas produzidos/transmitidos por algumas emissoras de televisão brasileira da época:(TV Excelsior, TV Record, TV Rio, Rede Globo) entre os anos de 1965 a 1985. O formato adotado era de três eliminatórias com 12 canções cada, avançando quatro de cada para a final. Tiveram como modelo para as suas realizações o Festival de Sanremo (Festival da canção italiana; festival della canzone italiana). Este festival é realizado até hoje sem interrupções desde no ano de 1951, antes mesmo da chegada da televisão na Itália em 1955. A nossa proposta é publicar aqui somente os festivais da TV Excelsior e TV Record (1965 a 1969.
A QUARTA edição do FESTIVAL DE MÚSICA POPULAR BRASILEIRA / FESTIVAL DE MPB de 1968 também foi organizada pela TV Record Canal 7 e com participação da TV RIO. Aconteceu entre os dias 18 de novembro a 09 de dezembro de 1968, com todos os eventos sendo realizados no Teatro Record, Consolação, Centro de São Paulo.
Mais de mil músicas foram inscritas para se selecionar as 36 semifinalistas. Essa seleção/triagem ficou a cargo de Augusto de Campos, Julio Medaglia, Raul Duarte, e Amilton Godoy. Com um pretenso objetivo de se dar um carácter mais democrático ao evento, se formaram dois Corpos de Jurados: sendo um Juri Especial e outro Juri Popular. A direção ficou a cargo de Solano Ribeiro e apresentação de Blota Júnior e Sônia Ribeiro.
Devido ao regime militar, todas as canções inscritas eram avaliadas pela censura do regime militar vigente antes de serem apresentadas, sendo que os censores poderiam pedir alterações e ou mesmo vetar a inscrição/apresentação das mesmas no dito festival. Das músicas inscritas, 6 foram censuradas e, portando proibidas de participar.
As 36 selecionadas foram divididas em três eliminatórias, onde dois corpos de jurados (Especial e Popular) compostos por 14 membros iriam pontuar as canções e, as quatro com maior pontuação de cada eliminatória avançariam à final. Lembrando que as canções classificadas eram reapresentadas ao final de cada eliminatória. Na finalíssima, as 18 canções eram avaliadas novamente pelos mesmos júris das eliminatórias. Ao final, a premiação aconteceu entre as 6 primeiras mais votadas, tanto pelo Juri Especial quanto pelo Juri Popular. As premiações foram em dinheiro e troféus; Viola de Ouro, Viola de Prata, Viola de Bronze para as primeiras colocadas e Sabia de Ouro para o melhor intérprete.
O Juri Especial era composto por 14 membros. Na composição desse juri estavam: Júlio Medaglia, Sérgio Cabral, Gabriel Migliori, João Carlos Martins, Paulo Cotrim, Carlos Santoro, Carlinhos Oliveira Gullar, dentre outros. Estes 14 membros estavam alocados em duas equipes diferentes com 7 jurados cada; uma no Teatro Record Centro e outra acompanhado pela televisão na TV RIO
O Juri Popular foi composto por 14 equipes de sete membros cada um sendo que sete equipes estavam no interior, e nomeadas por autoridades locais e, sete equipes na capital, São Paulo, distribuídas em clubes escolhidos por sua posição socioeconômicas.
As cidades escolhidas foram: Santos, Campinas, Ribeirão Preto, Guaratinguetá, Bauru, Araraquara e a região do ABC com sede em Santo André. As equipes da capital ficaram nos clubes: Corinthians, Palmeiras, Monte Líbano, Sírio Libanês, Paulistano, Hebraica, Pinheiros e Círculo Israelita. O total de jurados chegou a 98 membros.
Obviamente se obteve duas premiações/escolhas: Especial e Popular. Para completar a salada geral: de forma direta, cada espectador e ou público podía votar na sua música preferida através de um cupom de votação distribuído pela revista “Intervalo”.
Nessa edição ocorreu uma apresentação especial das músicas finalistas do III Festival (1967) no dia 21-10-1968 e mais duas presentações especiais das 36 novas canções nos días 13 e 14-11-1968.
Diferentemente das edições anteriores e em decorrência da formação dos 2 Juris (Especial e Popular), a finalíssima se deu com 18 músicas selecionadas.
A FINALÍSSIMA ocorreu no dia: 9/12/1968 com 18 músicas selecionadas
2.001 (Rita Lee/Tom Zé) Os Mutantes
A FAMÍLIA (Ary Toledo/Chico Anísio) Jair Rodrigues
A GRANDE AUSENTE (Francis Hime/Paulo César Pinheiro) Taiguara
BENVINDA (Chico Buarque) Chico Buarque
BONITA (Hilton Acioly/Geraldo Vandré) Trio Marayá
CANTIGA (Caetano Zamma/Carlos Queiroz Telles) O Quarteto
CANTORIA (Lúcia Helena/Luiz Vieira) Lucelena
CHORO DO AMOR VIVIDO (Eduardo Gudin/Walter de Carvalho) Os Três Morais (Jane/Roberto/Sidney)
DESCAMPADO VERDE (Maranhão) Maranhão y MPB-4
DIA DE GRAÇA (Sérgio Ricardo) Sérgio Ricardo y Modern Tropical Quintet
DIÁLOGO (Marcos Valle/Paulo Sérgio Valle/Milton Nascimento) Marcos Valle y Milton Nascimento
DIVINO, MARAVILHOSO (Gilberto Gil/Caetano Veloso) Gal Costa, Ivete y Arlete y Os Beat Boys
MADRASTA (Renato Teixeira/Beto Ruschel) Roberto Carlos
MEMÓRIAS DE MARTA SARÉ (Edu Lobo/Gianfrancesco Guarnieri) Edu Lobo y Marília Medalha
SÃO SÃO PAULO, MEU AMOR (Tom Zé) Tom Zé
SEI LÁ, MANGUEIRA (Paulinho da Viola/Hermínio Bello de Carvalho) Elza Soares y Originais do Samba
SENTINELA (Milton Nascimento/Fernando Brant) Cynara y Cybele
TERRA VIRGEM (Adilson Godoy/Saulo Nunes) Márcia
CLASSIFICAÇÃO FINAL – Jurado Especial
1º lugar: SÃO SÃO PAULO, MEU AMOR (Tom Zé) Tom Zé
2º lugar: MEMÓRIAS de MARTA SARÉ (Edu Lobo/Gianfrancesco Guarnieri) Edu Lobo y Marília Medalha
3º lugar: DIVINO, MARAVILHOSO (Gilberto Gil/Caetano Veloso) Gal Costa, Ivete y Arlete
4º lugar: 2.001 (Rita Lee/Tom Zé) Os Mutantes
5º lugar: DIA DE GRAÇA (Sérgio Ricardo) Sérgio Ricardo y Modern Tropical Quintet
6º lugar: BENVINDA (Chico Buarque) Chico Buarque y MPB-4
CLASSIFICAÇÃO FINAL – Jurado Popular
1º lugar: BENVINDA (Chico Buarque) Chico Buarque y MPB-4
2º lugar: MEMÓRIAS de MARTA SARÉ (Edu Lobo/Gianfrancesco Guarnieri) Edu Lobo y Marília Medalha
3º lugar: A FAMÍLIA (Chico Anísio/Ari Toledo) Jair Rodrigues y Golden Boys
4º lugar: BONITA (Geraldo Vandré/Hilton Accioly) Geraldo Vandré y Trio Marayá
5º lugar: SÃO SÃO PAULO, MEU AMOR (Tom Zé) Tom Zé
6º lugar: A GRANDE AUSENTE (Francis Hime/Paulo César Pinheiro) Taiguara
CLASSIFICAÇÃO (COMPOSIÇÃO) – Júri Especial e Júri Popular
1º Lugar (Júri Especial) e 5º lugar (Júri Popular): SÃO SÃO PAULO, MEU AMOR (Tom Zé) – Intérprete: Tom Zé
1º Lugar (Júri Popular): BENVINDA (Chico Buarque) – Intérprete: Chico Buarque
2º Lugar (Júri Especial) e 2º Lugar (Júri Popular): MEMÓRIAS de MARTA SARÉ (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri) – Intérpretes: Edu Lobo e Marília Medalha
3º Lugar (Júri Especial): DIVINO, MARAVILHOSO (Caetano Veloso e Gilberto Gil) – Intérprete: Gal Costa
4º Lugar (Júri Especial): 2.001 (Rita Lee e Tom Zé) – Intérprete: Os Mutantes
Prêmio Melhor Intérprete masculino: JAIR RODRIGUES (Jurado Popular)
Prêmio Melhor Intérprete feminino: ELZA SOARES (Jurado Especial)
Prêmio Melhor Letra: 2.001 (Rita Lee/Tom Zé)
Prêmio Melhor Arranjo: Edu Lobo por MEMÓRIAS DE MARTA SARÉ
O grande destaque e revelação deste festival foi a cantora Gal Costa, que defendeu “Divino, maravilhoso”, de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Com uma interpretação ousada e lancinante, revelando-se ao país uma virada em sua carreira de cantora que, até então era conhecida como Gracinha, cantora de bossa nova, ela aqui, aparece com um rock n’roll. A canção classificou-se em 3º lugar. “(…) É preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte”.
O IV Festival da Record teve, ainda que sob a ressaca do FIC (Festival Internacional da Canção), um saldo expressivo para os tropicalistas, alavancando definitivamente a carreira de seus autores e/ou participantes.