(*) Por TJGuimarães
UM REGO MINEIRO (12 km x 142 km) – DENTRO DO SUL BAIANO
Conta a lenda que, por fim, Minas Gerais vai ter o seu pedaço de Mar. É um Rego dentro do Litoral Sul da Bahia. E tudo começou no tempo do Brasil Imperial, lá de Dom Pedro II.
É o fim da nostalgia do Mar. Minas Gerais já tem o seu, de direito, desde 1910. Segundo documentos e fatos comprobatórios: Minas Gerais é um Estado marítimo. A história começa no segundo Império e se arrasta até os dias de hoje, encoberta por inexplicável silêncio. Portanto, desde 1910, trezentos contos de réis tornaram o Estado de Minas Gerais proprietário, de direito, de um trecho no extremo Sul da Bahia, que vai dar na cidade de Caravelas. Por mistérios da política, o assunto nunca foi devidamente levantado e ou esclarecido.
A história é a seguinte: para garantir a construção da linha pela iniciativa privada, Dom Pedro II (1825-1891) concedeu à empresa a posse de seis quilômetros de terras devolutas em cada uma das margens dos trilhos em um total de 12 km. Já a extensão vai de Ponta de Areia à divisa entre os dois Estados, totalizando 142 km.
No fim do século 19, com dificuldades financeiras, a empresa hipotecou as terras ao Banco de Crédito Real do Brasil. Em 1908, já proclamada a República, o banco executou a dívida. Em 1910, porém, a instituição enfrentou dificuldades financeiras e o governo de Minas gerais adquiriu as terras, em escritura de cessão de crédito e transferência de direito.
Essa Ferrovia foi aberta para levar o milagre econômico ao Vale do Jequitinhonha a um pedaço do Sul da Bahia. Mas a má administração, a corrupção e a precipitada decisão do governo militar de apostar todas as fichas no avanço das rodovias decretaram o seu fim. Em todas as cidades e povoados o progresso, o emprego, a renda, os tributos, os impostos, o sonho e até principalmente pessoas foram embora junto com as locomotivas. Deixando um descaminho de terra batida e poeirenta.
Ela Foi construída no final do século passado por decreto do Imperador Pedro II, com a finalidade de proporcionar a Minas Gerais uma saída mais curta para o mar, aproveitando a trilha natural que se abria através dos Vales do Mucuri e Jequitinhonha, bem como o potencial da instalação do porto de Caravelas no extremo Sul da Bahia, além da exploração e transporte de madeira, e em especial dormentes, para as demais ferrovias, tendo como cliente predominante a própria Estrada de Ferro da Bahia. De ponta a ponta; isto é, de Ponta da Areia até Araçuaí, se demorava somente 4 (quatro) dias) de viagem.
A BaiMinas, como ficou conhecida, foi inaugurada nos tempos Imperiais, 7 anos antes da Proclamação da República, em 1882, com 8 estações no Estado da Bahia e 25 no Estado de Minas. De Ponta da Areia (litoral Sul baiano) até Arassuaí (a grafia da época) Vale do Jequitinhonha (Minas Gerais). A sua construção, bem como as INAUGURAÇÕES foram feitas de maneira intermitente, sendo que o primeiro trecho foi inaugurado em 1882, em Ponta da Areia (Bahia) e o último em 1942 em Araçuaí (Minas). A sua maria-fumaça deu seu último apito quando foi desativada em 1966. Embora tenha havido planos para a união dessa ferrovia com a Vitória-Minas, tal fato nunca ocorreu e ela permaneceu isolada.
A sua exploração foi um vai e vem de donos que só terminou com a sua definitiva desativação: parceria da Bahia com Minas gerais, depois só Minas e depois a sua concessão foi transferida para a Compagniedes Chemins de FerFédéraux de l’EstBrésilien (CCFFEB). Como o comércio de madeira não teve continuidade, e nem o porto de Caravelas foi efetivamente implantado, foram propostas outras atividades econômicas para a viabilização da ferrovia, com ênfase no comércio de café, que, devido às seguidas crises econômicas não teve continuidade.
A partir dessa configuração a ferrovia foi incorporada pela Viação Férrea Federal Leste Brasileiro (VFFLB), em seguida transferida ao Departamento Nacional de Estradas de Ferro (DNEF) e à Viação Férrea Centro-Oeste (VFCO), e finalmente pela Rede Ferroviária Federal S.A. quando foi finalmente desativada em 1966.
À medida que os trilhos avançavam, povoações eram criadas. Foi assim que a ferrovia atraiu investidores, fomentou a geração de empregos e estimulou a agricultura em terras até então inóspitas. Segundo a historiografia, milhares de pessoas se deslocaram para aquela região. (…) Montaram engenhos, serrarias, olarias e outros serviços; fundaram vilas, povoados e cidades. Parte do Sul baiano e do Nordeste mineiro, por fim, começaram a ter o seu tão sonhado ciclo de desenvolvimento.
No seu auge, a BaiMinas chegou a empregar mais de 2 mil funcionários. A cada parada, a cada estação, uma multidão de pessoas trabalhando e ganhando o sustento para uma vida digna. Vendiam de tudo, artesanatos, pamonha, mangas em saquinhos, biscoito de goma, pele de porco, broa de milho, beiju, laranjas, torresmo, farofa, cana caiana, mexerica, feixe de lenha, coquinho brejaúba, galinhas caipiras e por aí vai.
Esta história, Ferrovia Bahia Minas Gerais, durou pouco mais de oito décadas, deixou saudades na população e hoje é um fantasma na paisagem dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Estações foram abandonadas e dormentes arrancados, deram espaço a estradas vicinais e uma página da história descarrilou.
A comparação entre esta ferrovia BaiMinas e a Madeira-Mamoré é imediata. As duas tiveram problemas parecidos e tiveram o mesmo fim. Para um país de dimensões continentais como o Brasil, se depreende que a opção pelas Rodovias em detrimento das Ferrovias não foi uma boa ideia.
50 anos depois, os raros indícios da existência da ferrovia mostram, além da miséria social já conhecida em nosso país, a miséria cultural, refletida na memória curta e no inteiro abandono do patrimônio histórico.
Essa história é pouco conhecida. Ela deve ter sido “esquecida” por alguma razão política, mas o povo que a vivenciou não a esquece jamais.
(*) Historiador, Jornalista e Professor de História/Geografia/Filosofia/Sociologia