(!) Por TJGuimarães
“LA PINTURA CÓMO PROCESO DE BÚSQUEDA DE SÍ MISMA”
(“Pies, ¿para qué los quiero si tengo alas pa’ volar?”)
Seus autorretratos criaram uma função especulativa restituidora e primordial em sua vida. A sua arte denota um intenso processo de busca de integração e de encontro consigo mesma, funcionando como um espelho vivo de sua alma. Para quem não teve reconhecimento em vida, talvez ofuscada pelo marido, Diego, foi um avanço e tanto ser redescoberta nos anos de 1970, primeiro na Alemanha, depois pelo mundo. Hoje é ícone do feminismo, dos feministas e uma figura da moda que ainda marca tendência. Ao mesmo tempo é sinônimo de empoderamento liberdade, inteligência e personalidade.
Contexto – O México de 1910 estava marcado por uma monumental desigualdade social. Enquanto alguns nababos milionários proprietários de terra dominavam grandes extensões de mais de um milhão de km2, a maioria dos camponeses não possuía o mínimo para sobreviver. Neste cenário, dois revolucionários, Francisco Villa e Emiliano Zapata, conduziram a sangrenta revolução popular, a primeira revolução do mundo moderno, que prenunciaria a Revolução Russa. O que se seguiu foi o renascimento mexicano, o país estava fervilhante de arte, criação e novidades. Representava uma abertura para os povos oprimidos da América Latina. A terra devastada pela violenta guerra civil, exibia agora uma esperança de prosperidade e liberdade.
Foi nesta atmosfera que nasceu Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón, Frida Kahlo para todos, em Coyacan, distrito da Cidade do México, em 6 de julho de 1907. Filha do fotógrafo Wilhelm Kahlo, judeu alemão e Matilde, uma nativa, mestiça católica. Aos 6 anos de idade, ela contraiu poliomielite, sendo esta a primeira de uma série de doenças, acidentes, lesões e operações que sofre ao longo de sua vida. A poliomielite deixa uma lesão em seu pé direito e com isso ganha um apelido “Frida pata de palo” (Frida perna de pau). A partir dessa disfunção, ela começa a usar calças, depois, longas e exóticas saias autóctones, que viriam a ser uma de suas marcas registradas. Tinha uma inteligência acima da média. Era poliglota, falava espanhol, inglês, francês e arranhava alemão e russo.
Na maioria de suas obras, Frida se autorretratou: as angústias, as vivências, os medos e principalmente o amor incondicional que sentia pelo marido, o pintor e Muralista mexicano mais importante do século 20, Diego Rivera, com quem se casou. Frida foi contra tudo e contra todos para se casar com Diego, que era um homem mais velho e sua família, de certa forma, tentou se opor a isso. Os dois viveram de forma intensa um relacionamento difícil de explicar até para pesquisadores. Contraditoriamente os dois se casaram duas vezes; uma em 1929 e outra vez em 1940
Com Diego Rivera, uma relação pra lá de explosiva – A despeito de sua infidelidade contumaz, foi com ele que Frida Kahlo se envolveu de forma intensa. Portanto, falar de Frida é também falar de Diego, seu marido e o mais importante e influente artista mexicano. Pertenciam ambos ao partido comunista mexicano, mas as suas obras, tal como eles mesmos, diferiam na sua dimensão física e emocional. Frida, mulher frágil e debilitada, pintava quadros mais intimistas, enquanto Rivera procurava representar grandes temas históricos como a construção da civilização mexicana e o resgate do seu legado.
Diego sempre foi um homem de muitas mulheres. Teve inúmeros casos, enquanto casado ou não, incluindo a irmã de Frida, Cristina. Frida não ignora seus casos, mas algumas vezes se aborrece e em outras, é tão infiel como Diego. Ela é bem versátil no gostar humano; tem relações amorosas tanto com homens quanto com mulheres. Portanto, bem à frente, do seu tempo. O casal tinha uma relação tumultuosa, mas ao mesmo tempo apaixonada e Rivera não continha a admiração pela obra da mulher. Entretanto e curiosamente, com a irmã de Frida, Cristina, ele teve seis filhos.
Frida e Diego chegaram até a se separar, mas só conseguiram ficar longe um do outro por um ano. Entre tapas e beijos, junta e separa, relações extraconjugais de ambas as partes, etc. foram os dois que, de certa forma, projetaram o cenário das artes latino-americanas para o mundo. Depois de os dois regressarem dos Estados Unidos em 1934, eles foram morar “juntos” em casas separadas interligadas por uma ponte. Diego morava na casa vermelha e Frida morava na casa azul. Hoje elas abrigam o Museu Casa Estúdio Diego Rivera e Frida Kahlo. Após muitos altos e baixos na carreira e na vida com Diego Rivera, durante esta “sofrência”, Frida sofreu três abortos, um martírio para ela que ansiava pela maternidade.
Frida, Diego e Trotsky; um trio de amor e política nada convencional – Amigos de revolucionários da época, Frida e Diego abrigaram um dos ícones da revolução russa em casa: Leon Trotsky, sua mulher e netos foram acolhidos pelo casal. Ambos foram receber o revolucionário que, por um curto período de tempo, se exilou no México. O que é menos sabido é que Trotsky e Frida tiveram um romance que durou quase um ano e havia recém terminado quando Rivera descobriu a escapulida. “Sem dúvida, a óbvia admiração de Diego pelo russo tornava a situação ainda mais intensa. Um caso com o amigo e ídolo político do marido seria uma retaliação perfeita para a traição de Rivera com sua irmã Cristina.
Em todo caso, Frida Kahlo fez uso de todos os seus consideráveis poderes de sedução para atrair Trotsky. Ou seja, o tórrido, mas breve affair foi em parte motivado mais pelo desejo de vingança, sugere a biógrafa de Frida, fundamentando a tese juntamente com informações adquiridas com a transcrição de cartas de todos os envolvidos no caso. Mas isso não quer dizer que ela não tenha se envolvido profundamente com Trotsky.
Frente e verso; um outro lado da mesma moeda; Frida Kahlo bissexual – Ela adotava os maneirismos do que julgava ser o verdadeiro povo do México, os desvalidos de qualquer nação, apimentando sua fala com expressões populares, chulas e palavrões que aprendia no seu dia a dia. Ela não era a única a fazer isso: muitas de suas amigas mexicanas do mundo das artes e da literatura tendiam a levar ao extremo seu coloquialismo mexicanista, e para tanto, muitas vezes faziam uso desse tipo de linguagem. Mas Frida usava este recurso de comunicação com especial exuberância e chiste mordaz. Algo parecido assim como a Dercy Gonçalves. E, como muitas de suas compatriotas, sua simpatia desenfreada e as gargalhadas selvagens tinham o outro lado da moeda, talvez uma ponta de solidão e a consciência fatalista da morte: expressões que ela proferia com frequência, como “hijo de la madre chingada, pendejo ou cabrón”. Este linguajar contém em si uma espécie de violência, uma mistura de alegria e desespero, e uma afirmação do orgulho de ser mexicana.
O homossexualismo de Frida, se manifestou ou se acentuou depois que ela ingressou no mundo boêmio e liberal de Diego, em que o amor entre mulheres era comum e não estava sujeito a condenações. Os homens tinham sua casa chica; as mulheres tinham umas às outras. Nessas circunstâncias, ela não sentia vergonha alguma de sua bissexualidade. Nem tão pouco Diego. Segundo Jean van Heijenoort, “Frida tinha muitas namoradas e muitas amigas lésbicas. Seu lesbianismo não fazia com que ela fosse masculinizada; ela era uma espécie de efebo, com jeito de menino e enfaticamente feminina ao mesmo tempo”.
Existem outros relatos que dizem que, como Frida havia sofrido muito com os adultérios constantes do marido, que chegou a levar para a cama a irmã dela. Para se vingar, a pintora começa a também ter relações sexuais com outras mulheres, inclusive com quem o marido já havia se deitado. Frida, é notório, gostava de se vestir com roupas masculinas desde a adolescência e era vista como “estranha” e até “moleca” por algumas pessoas da família, exceto seu pai que, muitas vezes, incentivava a ousadia que ela tinha ao descontruir conceitos e ultrapassar barreiras culturais.
Além de Trotsky, Frida, com um gosto bem eclético, teve também outros amantes, homens e mulheres, apesar de existir quase que um tabu sobre questões de alcoolismo, infidelidade, lesbianismo e seu modo “peculiar” de externar o seu comportamento “exótico”. Esta atuação, definitivamente não desmerece a sua qualidade artística, afinal a perfeição não contemplou o projeto humano. Um tempo com o cirurgião Leo Eloesser, outro tempo com a cantora Chavela Vargas, mais um tempo com o fotógrafo Nickolas Muray, um tempinho mais com a atriz de cinema, María Félix…
Uma pincelada na sua atuação pictórica – Artista transgressora, apaixonada pela arte e motivada pela intensidade inerente à vida, Frida se transformou em um ícone do surrealismo e do universo feminino nas décadas de 30/40/50. E fez com que sua força se perpetuasse no tempo. Mesmo com todas as dificuldades que a vida lhe impôs – poliomielite na infância e o acidente de ônibus na adolescência que a deixou com sérias sequelas -, Frida foi uma feminista, incorporando com autenticidade, símbolos mexicanos e indígenas em sua arte e um relacionamento tempestuoso com o Muralista Diego Rivera.
O mais marcante na obra de Frida Kahlo é a predominância absoluta de autorretratos (55). Seu tema central é ela mesma e se expunha de modo profundo e dramático nas suas selfies de então. Ela dizia que não pintava símbolos, pintava sua própria realidade. “Pinto porque me estoy sola y porque soy el tema que mejor conozco”.
A inspiração de Frida para suas pinturas e fotografias, vieram de suas angústias e dificuldades em lidar com sua própria condição. Quando criança, contraiu poliomielite que a deixou com uma lesão no seu pé esquerdo e, com isso, ganhou o apelido de “Frida pata de palo”. Mais tarde, em 1925, a artista sofreu um acidente em que teve múltiplas fraturas e precisou fazer 35 cirurgias. Foi nesse período, em que ficou presa à sua cama com sérios problemas na coluna, que começou a pintar e retratar suas angústias e frustrações em suas criações.
Cheias de cores e ricas em elementos florais, as roupas de Frida Kahlo viraram tendência e ícones de estilo, ganhando exposição e livro só para elas. Diz-se que, na verdade, sua autenticidade era uma forma de esconder suas deficiências provocadas pela poliomielite que teve quando pequena, que deixou sequelas em seu pé esquerdo e pelo acidente de 1925. Seus sapatos, adaptados exclusivamente para ela, com um salto maior do que o outro para nivelar sua altura. Seus “corpetes” cheios de estilo, na verdade, eram coletes ortopédicos. Procurou na sua arte a afirmação da identidade nacional mexicana, por isso adotava com muita frequência temas do folclore e da arte popular mexicana.
Frida, cabelos além das roupas – chamava atenção pelos penteados exóticos. Alguns deles eram tradicionais tehuanos e outros foram criados por ela mesma. Ela gostava de usar os cabelos presos com tranças, fitas coloridas, e com flores naturais, como rosas, margaridas, crisântemos e brincos de princesa, entre outras. Sua paixão pelas flores era tanta que uma vez disse: “Pinto as flores, assim elas não morrem”.
Frida Kahlo; cores, roupas e comportamento – Para Frida as roupas eram uma linguagem, ela escolhia cada peça de forma planejada, e acrescentava seu toque pessoal a elas. Suas roupas vinham de diferentes épocas e partes do mundo, como Europa, Ásia e Guatemala. Porém, seu estilo preferido e mais representado em suas obras foi o típico mexicano, mais especificamente de Tehuantepec. As mulheres desta região, as zapotecas, viviam em uma sociedade matriarcal e participaram ativamente da Revolução Mexicana, o que evidenciava a postura política de Frida, a favor da independência feminina e nacional. Geralmente, ela usava um conjunto tehuano com saia longa e estampada, uma túnica, chamada de huipil, e rebozo, uma espécie de xale longo. Esse tipo de roupa também permitia que ela disfarçasse a perna, consequência da pólio, e o corpo fragilizado pelo acidente de bonde e cirurgias.
Morreu jovem – Na madrugada do dia 13 de julho de 1954, Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderon foi encontrada morta dentro de sua casa. Ela tinha 47 anos. Suas últimas palavras foram encontradas em seu diário: “Espero Alegre la Salida y Espero no Volver Jamás”. O seu caderno e/ou diário com muitas anotações secretas da artista foi transformado em livro.
(!) Historiador, Jornalista, Professor de História/Geografia/Sociologia