(!) Por TJGuimarães
“Festa do Rosário’ ou “Festa de Nossa Senhora do Rosário” é uma manifestação religiosa católica, aliada a cultos e tradições de elementos de matriz/origem africana em um singular sincretismo cultural em nossas terras brasileiras.
A parte religiosa da Festa se manifesta em louvor à “Nossa Senhora do Rosário”. Ela tem a classificação litúrgica de memória universal e é comemorada no dia 7 de outubro, por determinação do Papa Gregório XII, aniversário da Batalha de Lepanto na Grécia. É também uma demonstração do efervescente e atuante sincretismo religioso em decorrência dessa junção das manifestações religiosas de origem africana e culto cristã.
Desde o início, a Igreja Católica determinou que os festejos religiosos deveriam ter a novena, a missa cantada, a benção do Santíssimo, o Te Deum – cerimônia de ação de graças – e a procissão. Esta determinação valia para qualquer tipo de irmandade ou confraria de qualquer que fosse a classe social. O missal vinha do Vaticano com as orações, ofícios e regras de como realizar o ritual.
Esta “Festa de Nossa Senhora do Rosário”, acontece principalmente em Minas Gerais e Goiás, mas também existem manifestações em outros Estados desde os primórdios do nosso povoamento. É uma tradição mantida desde o tempo dos escravos e que se compõe dos Grupos ou Guardas representados nos diversos folguedos folclóricos como o congado, Moçambique, catopé, marujada, candomblé, etc. A manifestação se compõe de procissão, bênçãos, missas solenes, “tocadores de pipiruí” – pífanos e tambores -, desfile de Rei e Rainha, bandas musicais, bem como ornamentação e culinária típica. Todo este festejo, a cada ano é conduzido por um Rei e uma Rainha (eleitos no ano anterior) e sua corte. Estes grupos apresentam-se distintos uns dos outros pelas coreografias, instrumentos e pela música que executam durante a louvação. Estas ainda são acrescidas por espetáculos pirotécnicos e levantamento de mastros com as bandeiras de Nossa Senhora.
Esta Festa foi instituída pelo Papa Pio V para comemorar e agradecer à Virgem a sua ajuda na vitória sobre os turcos no golfo de Lepanto, na Grécia, no dia 7 de outubro de 1571. Esse Papa acrescentou às Ladainhas da Santíssima Virgem, uma invocação suplementar: “Socorro dos cristãos, rogai por nós”, e ordenou a instituição da Festa de Nossa Senhora das Vitórias que o Papa Gregório XII logo a seguir fez celebrar, sob o nome de Festa do Rosário, a cada primeiro domingo do mês de outubro em todas as igrejas. O Papa Clemente XI estendeu a Festa a toda a Igreja no dia 03 de outubro de 1716. O Papa Leão XIII conferiu-lhe um nível litúrgico mais elevado, publicando nove Encíclicas sobre o Santo Rosário. O Papa Pio X fixou definitivamente a Festa no dia 7 de outubro.
A Batalha de Lepanto é lembrada como uma vitória da Igreja católica sobre o avanço do Império Otomano (de predominância islâmica) que pretendia estender seus domínios e, ao mesmo tempo, acabar com o cristianismo na Europa. É uma vitória, que dependeu da aliança de reis católicos, muitos deles em conflito uns com os outros. Esta vitória é também atribuída à intervenção da Virgem Maria do Rosáriono evento. Segundo consta, o Papa São Pio V havia confiado na oração do Rosário, jejum e penitência para alcançar essa vitória.
Foi desta guerra que surgiu o culto a Nossa Senhora da Vitória, Nossa Senhora Auxiliadora dos Cristãos, e foi marcada também como a ‘Festa de Nossa Senhora do Rosário”, todos os títulos usados para a Virgem Maria durante e depois dessa Guerra.
No Brasil Colônia, a Coroa Portuguesa determinou que negros, alforriados ou não, deveriam se organizar em Irmandades ou Confrarias enquanto grupos sociais. Estas instituições tinham a finalidade de atender as necessidades sociais, religiosas, jurídicas e de saúde dos seus sócios. A Igreja Católica, por sua vez, também fez o mesmo, determinando que a devoção desses grupos deveria ser a Nossa Senhora do Rosário.
Desde suas origens na África, os negros já conheciam estas instituições. Outros vieram a conhecê-la aqui, através da catequização e/ou ressocialização. Assim, sabe-se que, desde 1717, os negros se organizavam em Irmandades de Nossa Senhora do Rosário, com estatutos registrados, para receberem a prestação de seus serviços. Para uma Irmandade ou Confraria se autossustentar, os irmãos negros deveriam pagar uma taxa mensal como a de qualquer outra irmandade de brancos ricos, brancos pobres ou mulatos
Lenda ou Mito, em Ouro Preto, têm-se notícias de que “Chico Rei” financiou a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário com grandes ofertas. Mas, para participarem da Irmandade, todos os negros tinham de pagar uma espórtula (são valores cobrados pela instituição para usufruir de seus serviços). A primeira taxa era paga em ouro em pó todo dia 1º de janeiro, quando tomavam posse na Irmandade ou Confraria.
Geralmente, os Irmãos do Rosário e os iniciantes se reuniam em frente à casa de “Chico Rei”, de onde saía o cortejo em direção à Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Negros de Antônio Dias. Eles subiam a ladeira de Santa Ifigênia até à Igreja levando o precioso metal espalhado em suas respectivas carapinhas (cabelos crespos) e dançando a dança das taieiras. Depois, entravam no templo e lavavam a cabeça, deixando o ouro para Nossa Senhora do Rosário nas pias de água benta.
Lendas à parte, na verdade, os senhores de escravos e/ou endinheirados, faziam questão de que seus escravos se ingressarem nestas instituições, pois, lá, eles seriam controlados pelos severos estatutos, portanto, não aquilombariam, não roubariam, não criariam tumultos na senzala, não brigariam entre tribos e nem criariam confusões nos seus dias de folga.
Vale lembrar que o escravo, que era tratado como uma peça, um objeto era um bem relativamente caro. Além do imposto per capita pago pelo senhor, este ainda arcava com toda a sua manutenção de sobrevivência. Os escravos, sobretudo os da mineração, sofriam severos acidentes e muitos deles ficavam inválidos, representando pesados encargos para seu senhor. Era na Irmandade ou Confrarias que eles recebiam assistência em casos de doenças e acidentes graves que os impediam de continuar trabalhando na mineração. Consequentemente, era comum o senhor entregar o escravo aleijado ou doente à Irmandade ou Confraria para que ela lhe desse a devida assistência. Portanto, era nestas instituições que os negros eram assistidos e, sempre que conveniente, abandonados pelos seus senhores.
Segundo a historiografia, os jesuítas escolheram a devoção a Nossa Senhora do Rosário para os negros e/ou escravos porque a iconografia da Virgem com o Rosário nas mãos lhes lembrava a deusa Afã ou Ifã, cujo sacerdote responsável utilizava as sementes de uma palmeira para jogá-las como búzios para ficar sabendo do futuro dos devotos. A imagem de Menino Jesus que a Nossa Senhora carrega tem significado especial, pois os negros, desde então, valorizavam a procriação e a maternidade. Logo, não foi difícil convencê-los a seguir a devoção a Nossa Senhora do Rosário. Este é o verdadeiro porquê de a Igreja Católica ter definido será devoção a Nossa Senhora do Rosário a ideal para os negros, dentre as inúmeras devoções e iconografias dessa santa.
Dentre Histórias, Mitos, Lendas, nos restam, portanto, várias interrogações cujas respostas ainda carecem de pesquisas mais aprofundadas em documentos históricos das diversas Irmandades de Nossa Senhora do Rosário em Minas Gerais e outros Estados. Já que procediam de diferentes regiões do continente africano, resta saber se todas as tribos que vieram para o Brasil já conheciam Nossa Senhora do Rosário e os outros santos de sua devoção como São Benedito, Santo Elesbão (Imperador XLVII da Abissínia) e Santa Ifigênia.
(!) Historiador, Jornalista, professor de História/Geografia/Sociologia