O Patrimonialismo é a confusão “proposital” entre o público e o privado, afirma Darcy Ribeiro em sua obra O Povo Brasileiro. Acontece quando um político trata o patrimônio público e sua administração como um bem privado, como se lhe pertencesse, algo próprio.
Em tempo de relógios, joias e outros badulaques pertencentes ao Estado Brasileiro sendo passados nos cobres, nada como uma pitada de conhecimento sobre esse tema tão atual que insiste em ficar entre nós.
Patrimonialismo é um conceito desenvolvido pelo sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), no fim do século XIX. Esse conceito tem o propósito de compreender um modo específico de dominação, ou de poder, que atinge as esferas econômica e sociopolítica.
Patrimonialismo deriva das palavras patrimônio e patrimonial e pode ser definido como uma concepção de poder em que as esferas pública e privada confundem-se “de maneira proposital” e, muitas vezes, tornam-se quase indistintas. Assim sendo, um líder político é qualificado como patrimonialista quando, ao assumir um cargo na esfera pública (presidente, governador, prefeito, por exemplo), acaba “instrumentalizando”, isto é, criando mecanismos de controle na estrutura de governo para satisfazer as suas necessidades pessoais, ou seja, privadas.
Muitos políticos se utilizam dos bens do Estado como se eles fossem o seu próprio patrimônio. O patrimonialismo é uma herança herdada de Portugal e uma das maiores constantes da política brasileira, fruto de uma confusão “proposital” de papéis na esfera pública e privada.
Nesse sentido, é frequente no patrimonialismo o aparecimento de fenômenos sociopolíticos como o nepotismo. A sua prática consiste em familiares de um determinado detentor de cargo público (presidente, governador, prefeito, deputado, etc.) serem beneficiado por ele, que lhes emprega, valendo-se da influência e poder que tem, em cargos públicos auxiliares: assessoria, secretaria etc. O Estado, nesse sentido, é compreendido como uma extensão do foro privado de quem ocupa um posto político.
O Estado encarado como patrimônio próprio, segundo Max Weber, é um obstáculo à eficiência da máquina pública, já que a racionalidade impessoal (sem interferência de assuntos privados) que qualifica o Estado nos moldes do liberalismo do século XIX não pode ser exercida. No Estado em que não há impessoalidade, os interesses públicos são sempre prejudicados em favor dos interesses privados. Nesse sentido, é comum que, somado à falta de impessoalidade, esteja o personalismo político. Esse conceito é uma espécie de rede de relações público-privadas nas quais prevalecem os “arranjos” pessoais, como o “apadrinhamento” e o “conchavo” para se conseguir aprovações de leis em casas legislativas ou, no âmbito econômico, a aprovação de licitações públicas para determinadas pessoas e/ou empresas etc.”
Outro fenômeno sociopolítico relacionado com o patrimonialismo é o paternalismo político, isto é, a adesão da massa de governados à figura carismática de determinado líder político. Esse líder apresenta-se como “pai” (daí a expressão paternalismo), como chefe e guia da massa. Esse tipo de liderança coloca em risco a legitimidade política do Estado, já que o líder carismático pode valer-se de sua imagem para agir acima da lei ou mesmo transformar o edifício jurídico para que ele seja favorecido. A expressão “salvador da pátria” ajudar a ilustrar bem o paternalismo político.
Um dos fenômenos mais explicitamente patrimonialistas da história política brasileira foi o do coronelismo durante a República Velha. O “coronel” era o típico líder paternalista que, ocupando o cargo de governador ou de prefeito, transformava o seu domínio de atuação política em uma extensão de sua casa ou de sua fazenda. Não esqueçamos que essa figura insiste em ficar entre nós, mesmo que com uma roupagem mais modernosa. Os exemplos são gritantes.
“Carta do Achamento do Brasil”
Reza a lenda que a primeira prática de nepotismo no Brasil ocorreu quando Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral que descobriu o país, teria pedido ao rei de Portugal, Dom Manuel, que libertasse do cárcere seu genro, casado com sua filha Isabel, que havia sido condenado ao degredo na ilha de São Tomé por ter roubado uma igreja e por ter ferido o padre quatro anos antes. Nepotismo ou jeitinho “luso”?